segunda-feira, 22 de julho de 2013

JANELAS ABERTAS PARA A POESIA DE PAULO LEMINSKI:


M. de memória

Os livros sabem de cor
milhares de poemas.
Que memória!
Lembrar, assim, vale a pena.
Vale a pena o desperdício,
Ulisses voltou de Tróia,
assim como Dante disse,
o céu não vale uma história.
um dia, o diabo veio
seduzir um doutor Fausto.
Byron era verdadeiro.
Fernando, pessoa, era falso.
Mallarmé era tão pálido,
mais parecia uma página.
Rimbaud se mandou pra África,
Hemingway de miragens.
Os livros sabem de tudo.
Já sabem deste dilema.
Só não sabem que, no fundo,
ler não passa de uma lenda.

Bem no fundo

No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo
extinto por lei todo o remorso,
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais
mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos
saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.

Aviso aos náufragos

Esta página, por exemplo,
não nasceu para ser lida.
Nasceu para ser pálida,
um mero plágio da Ilíada,
alguma coisa que cala,
folha que volta pro galho,
muito depois de caída.
Nasceu para ser praia,
quem sabe Andrômeda, Antártida
Himalaia, sílaba sentida,
nasceu para ser última
a que não nasceu ainda.
Palavras trazidas de longe
pelas águas do Nilo,
um dia, esta pagina, papiro,
vai ter que ser traduzida,
para o símbolo, para o sânscrito,
para todos os dialetos da Índia,
vai ter que dizer bom-dia
ao que só se diz ao pé do ouvido,
vai ter que ser a brusca pedra
onde alguém deixou cair o vidro.
Não e assim que é a vida?

Dor elegante

Um homem com uma dor
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Com se chegando atrasado
Chegasse mais adiante
Carrega o peso da dor
Como se portasse medalhas
Uma coroa, um milhão de dólares
Ou coisa que os valha
Ópios, édens, analgésicos
Não me toquem nesse dor
Ela é tudo o que me sobra
Sofrer vai ser a minha última obra

Não discuto

não discuto
com o destino
o que pintar
eu assino

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